Isso aqui foi escrito a seis mãos, se não me engano.Cena: Set de gravação imitando um bar. Meredith, Izabelle e Fred estão na cena e Jessica participa como figurante. Leonard e Jesse estão sentados em frente ao cenário.
Leonard: Vamos começar?
Izabelle: Não dá!
Leonard: Como não?!
Izabelle: Eu não sei o nome da série...
Leonard: Como não?! Ninguém lê os memorandos, não?!
Jesse: Pra falar a verdade, eu também não sei. Mas não me admira, já que me largaram no hotel a manhã inteira.
Leonard: Chega dessa história de hotel! E o nome da série é "Turn The Beat Around". Por causa de toda a história da personagem ser cantora de bar.
Fred: Não é uma música da Gloria Estefan?
Leonard: Esse é o charme...
Jessica: Ela vai te processar por calúnia difamação, danos morais e uso indevido da imagem.
Leonard suspira.
Leonard: OK...Todos prontos?
Izabelle: Mais ou menos?
Jesse: Eu acho que vou cometer um grande erro ao perguntar por que "mais ou menos"...
Izabelle: É que eu tava lendo o texto ontem a noite e daí eu achei tão chato que peguei no sono... Ou seja, eu não decorei nenhuma fala.
Leonard: Como é?! Meu texto é chato?!
Jesse: É! Mas isso não vem ao caso! Temos que gravar a cena e...
Izabelle: Não se preocupem eu já resolvi tudo! Já que nessa cena a Jessica sempre fica de costas pra mim eu fiz esse cartaz com minhas falas para grudar atrás dela! Ninguém vai ver!
Jessica, irritada: Tá me chamando de gorda!?
Izabelle: Eu disse a palavra gorda?
Jessica: Você quer pendurar um cartaz em mim! Você acha que eu tenho tamanho de um outdoor!
Izabelle: Ok! Da próxima vez que eu vir um outdoor eu recomendo um regime a ele...
Fred: Nós vamos gravar ou...
Leonard: Ok! Acalmem-se todos! Izabelle, você só tem que ficar sentada naquele banco. A Meredith fica a seu lado. Quando o Fred chegar e convidar você pra sair você faz uma cara de irritada com a cantada que ele passou e joga um drink nele.
Izabelle: Só isso!? Sinto que não estão usando todo meu potencial como atriz.
Jessica: E eu!?
Jesse: Você é figurante, não faz nada.
Jessica: Tá me chamando de inútil? É porque sou gorda? Negra? Baixa? Nova-iorquina? Gorda, negra, baixa E nova-iorquina?
Leonard: Meu Deus... Vamos gravar agora! Todos tomam suas posições. Ação!
Meredith, atuando: Então...Você saiu com o Dante ontem depois do expediente...
Izabelle: Quem diabos é Dante?!
Leonard: Corta! Izabelle, Dante é o cara com quem sua personagem saiu! Você não leu o roteiro?
Izabelle: Que tipo de mulher sai com um cara chamando Dante? Dante é o nome do vulcão naquele filme!
Jesse: Izabelle, não importa. A única coisa que você tem que dizer é "Sim, foi maravilhoso"!
Izabelle: Então eu digo que foi maravilhoso e depois entram as dançarinas de can-can?
Leonard: Izabelle, eu expliquei a cena há três minutos.
Izabelle: Você sabe que eu tenho péssima memória. Eu tava tomando um remédio pra isso, mas esqueci de tomar o remédio.
Todos ficam em silêncio, olhando para Izabelle.
Izabelle: LEMBREEEEEEEEEEEI!
Todos se assustam.
Izabelle: Cantada ridícula, jogar drink no Fred. Certo!
Leonard: Isso! Podem começar.
Fred: Vamos gravar agora?
Izabelle: Cala a boca porque você é meu coadjuvante! Nos créditos meu nome vem antes que o seu e em letras maiores! E além do mais, eu tenho reclamações a fazer!
Jesse: Eu adoro essa parte...
Izabelle: Leonard, eu li aquela cantada idiota... Se você confessar que já passou aquela cantada eu chegaria a conclusão que há mais de cinco anos que você não...
Leonard, interrompendo: Ei! Isso não é reclamação!
Izabelle: Eu sei! VOCÊ deveria reclamar! E tem mais! Por que um cara vai no bar convidar a cantora para tomar café? Por que ele não paga um drink para ela? Por que o cara com quem eu saí além de se chamar Dante é jogador de futebol?
Leonard: Izabelle, você gostaria de escrever o texto?
Izabelle: Se eu soubesse digitar... Mas vai assim mesmo...Por enquanto!
Leonard: Ok... Eu acho... (Suspiro) Vamos gravar logo! Ação!
Meredith, atuando: Eu vi que você saiu com o Dante ontem depois do expediente...
Izabelle, atuando: Sim... Foi maravilhoso!
Fred aproxima-se das duas.
Fred, atuando: Sarah, quando eu vi você cantando ontem eu cheguei à conclusão de que se os anjos têm voz elas são exatamente como a sua. Eu sei que você saindo com aquele jogador de futebol... Mas você não gostaria de sair pra tomar um café?
Izabelle faz cara de nojo ao ouvir a cantada, depois de levanta e derrama a bebida no rosto de Fred.
Izabelle, atuando com raiva: SIM! Foi maravilhoso!
Mulher, em off: Meu filho!
Uma senhora invade o estúdio e vai abraçar Fred.
Jesse: É impressionante como esse estúdio se assemelha cada vez mais com um circo.
Mãe de Fred, para Izabelle: Mocinha, como se atreve a jogar água na cara do meu filhinho?!
Izabelle: Não é água! É vodka!
Mãe de Fred: A BEBIDA DO DEMÔNIO?!
Jessica: Senhora, processe-os por calúnia, difamação, danos morais e religiosos!
Mãe de Fred, ameaçando Leonard com sua bengala: Meu jovem, você paga meu filho para levá-lo pro mau caminho!
Fred: Mãe...
Mãe de Fred: Não fale, Fred! Vai estragar sua garganta! Eu não devia ter deixado você se envolver com esse negócio de televisão! A caixinha do demônio! Com todas essas bebidas e... (Olha para Izabelle e Meredith) essas moças depravadas!
Izabelle: Você quer que eu mate ela Leonard? Eu sou uma estrela, eu posso fazer isso.
Leonard: Não! Senhora, deixe-nos só terminar essa cena.
Jesse: Acho que já tivemos cenas demais por aqui hoje...
Jessica: Leonard, processe a velha! Por calúnia, difamação, danos morais e...

Comânder in cheeeeeese
Ou "Pseudo-transgressão e a superalienação da classe média"

"E agora, Jeff? O que devo fazer?"Na televisão americana atual, existe uma clara diferença entre o conteúdo de ficção veiculado nos canais aberto e nos canais pagos: enquanto este apresenta uma abertura cada vez maior para a experimentação e a transgressão, as grandes redes preferem não arriscar e mantém seu conteúdo tradicional. Exceto por alguns exemplos revolucionários de sucesso que chegaram à TV aberta recentemente. Ou não?
Se você respira, tem uma queda pela inútil cultura pop ocidental e não vive sob um regime fundamentalista, deve saber o que é a pérola televisiva
Desperate Housewives. Graças a este programa vendido como um drama interessante, com humor inteligente e sátiras às famílias tradicionais, a emissora ABC alcançou grandes índices de audiência. E resolveu reproduzir o gênero.
Além de valorizar mulheres inteligentes e expôr o lado podre dos subúrbios em
Desperate Housewives, os novos sucessos trazem médicas gostosas (mas sempre inteligentes e aparentemente nada frágeis) ganhando espaço em um pronto-socorro em
Grey's Anatomy e, o mais novo
hit,
Commander in Chief.
Commander in Chief é um suposto drama supostamente político supostamente espirituoso supostamente estrelado por Geena Davis. Na verdade, nenhuma das suposições são concretas. A série é, de fato, apenas mais um exemplo de como o anti-Cristo viria ao mundo se fosse um roteiro mal escrito.
O que há de comum entre esses três programas é a tentativa de se mostrar inovador e revolucionário: mulheres poderosas, imponentes e independentes; conteúdo crítico que faz o telespectador refletir sobre os valores da sociedade. Entretanto, por trás da imagem transgressora, está uma reafirmação dos valores conservadores.
Desperate Housewives exibe exatamente o que o público conservador - a massa da classe média americana - quer ver: um retrato de suas vidas, que releva seus defeitos; personagens estereotípicas, de fácil identificação; uma estrutura narrativa clássica cheia de suspense e ganchos. Enfim, um roteiro raso como um pires de cabeça para baixo e uma fórmula de sucesso que não deve nada aos seriados de TV dos anos 1960.
Em
Commander in Chief, nada é muito diferente. Por baixo do pano liberal e feminista, a personagem de Geena Davis, a vice-presidente que tomou posse após a morte do presidente dos EUA, é tão burrinha que pode ser confundida com uma adolescente fútil. E isso expõe mais uma tentativa de enganar o público: nada mais vigoroso que mostrar uma mulher como presidente do país mais poderoso do mundo, certo? Seria, se a presidente não fosse importunada pelo presidente da Câmara (Donald Sutherland, coitado), controlada pelo marido e sacaneada pelos assessores (inclusive as mulheres!). A filha aborrecente é republicana (seria irônico se o conservadorismo fosse mais implícito) e, logicamente, não apóia a presidência da mãe.
Para dar um exemplo da qualidade pré-escolar do roteiro e de uma passividade da personagem principal que faria Jane Fonda atacar um elefante a machadadas: em 10 minutos de um determinado episódio, a presidente participou de uma reunião de campanha que durou dois minutos (a verossimilhança manda um abraço) e só abriu a boca para dizer "E então?", enquanto o assessor da campanha ria de sua incapacidade política e o marido resolvia todos os problemas. Mais tarde, foi chamada a seu gabinete, "O que houve, Jeff?" e ficou perplexa ao saber que a América estava em perigo por ter invadido, inadvertidamente, o país malvadão da vez. E segurava uma expressão telenovelesca enquanto a câmera dava o zoom mais longo e menos dramático da História audiovisual.
A
culpa do sucesso do programa não é da ignorância da audiência americana. É verdade que os telespectadores da classe média estão cada vez menos exigentes, procurando nada mais que uma simples diversão. É possível criar programas realmente inovadores na televisão, com roteiros inteligentes, trabalhados, sarcásticos e críticos.
No entanto, por mais óbvio e repetitivo que pareça, uma vez que a televisão é o meio de comunicação mais lucrativo do mundo, enquanto o interesse comercial for a única ordem, a programação televisiva apostará em sua vertente de
hot medium e perderá as chances de desenvolver qualquer conteúdo de qualidade.